terça-feira, 15 de agosto de 2017

A mudança vem de dentro


"A mudança é algo que começa de dentro para fora e reveste-se de uma consciência profunda sobre a necessidade de procuramos formas de equilíbrio e de bem-estar pessoal. A nossa forma de pensar, de ver as coisas, de as sentir, altera completamente a forma como captamos o mundo exterior. Nesta alteração, desenvolve-se parte dos nossos relacionamentos com o Outro e infelizmente, neste jogo, quase ninguém conhece as regras. É necessário vermo-nos por dentro, para disfrutarmos do que esta cá fora. Para, no final das contas, conseguirmos ter relações com tudo o que nos rodeia, já que é disso que se trata. 

Deixamos de disfrutar da leitura de um livro, para estarmos a competir num mundo onde a energia masculina impera, deixamos de cuidar de nós, para estarmos alerta num espaço onde o afeto pode ser o elo mais fraco, deixamos de conversar, para apenas falar, deixamos sobretudo de ouvir, para escutarmos. A polaridade que inverte a sensibilidade para o que de mais rude absorvemos, dá-nos a falsa segurança de que nos protegemos de investidas desleais, de movimentos em falso, de valores de juízos. Deixamos de exercitar as emoções, para preferir o desapego. Com o tempo, percebemos que estamos doentes, não física, mas emocionalmente. Concluímos, tarde demais, que desperdiçamos tempo e energia vital com uma forma de vida menor: menor na intensidade, menor na sua expressão, menor na sua condição, menor na sua longevidade. 

Estar atento, colocar-se no lugar do outro, ver o mundo lá fora como reflexo do nosso universo interior, dar valor às nossas emoções, respeitar a dos outros, distribuir afetos e saber receber, mostrar gratidão, não ter pressa, saber esperar, aceitar, reconhecer o choro são estratégias de desenvolvimento Yin."

Trecho daqui




terça-feira, 8 de agosto de 2017

Terapia contra as compras compulsivas por Livros


"Depois de passar há uns meses por uma terrível crise das prateleiras, e logo depois atravessar uma crise bem pior ao encaixotar toda minha biblioteca por causa da mudança, pousei em Barcelona no comecinho de setembro com o firme propósito de voltar a utilizar a rede de bibliotecas públicas da cidade. Fazia, pelo menos, sete ou oito anos que eu não utilizava a carteirinha, mais que os três anos que morei no Brasil, pois depois de uma primeira fase de uso intensivo das bibliotecas, eu tinha virado um CCL (um Comprador Compulsivo de Livros), uma das espécies mais perigosas e letais de MCC (Monstros Consumistas Culturais).

Preparei minha volta às bibliotecas públicas fazendo uma lavagem cerebral, segundo a qual o importante não era ser um CCL, mas um LCL (um Leitor Compulsivo de Livros). Felizmente, e contra todo prognóstico, minha carteirinha ainda funcionava, então comecei a passear entre as prateleiras da biblioteca mais próxima de minha casa na procura dos livros que levaria. Nessa primeira visita, da qual trouxe o maravilhoso Tirana memoria, do escritor salvadorenho Horacio Castellanos Moya, um dos escritores mais interessantes da atualidade, e nas seguintes, uma vez ativada a rotina de ir à biblioteca para devolver os livros e levar novos, acabei criando uma terapia que talvez seja útil para quem, devido a motivos econômicos, amorosos, psicológicos ou de espaço nas prateleiras, precisa abandonar sua condição de CCL e entrar no mais saudável mundo dos LCL.

É o que eu chamo da “terapia jotapê contra o vício do Consumo Compulsivo de Livros”. Se você foi diagnosticado com essa doença (e se já superou a fase de negação), pode usar as seguintes sugestões. Eu garanto resultados em menos de três visitas à biblioteca pública.

1. “Todos esses livros são meus”. Esse pensamento é a base de toda a terapia. Se você não consegue acreditar verdadeiramente nele será impossível abandonar a compulsão do consumo. Tente o seguinte: passear entre os corredores da biblioteca imaginando que você está em casa e que pode pegar qualquer livro que quiser e ler. Enquanto passeia, repita mentalmente, uma vez e outra, como se fosse um mantra: “todos esses livros são meus, todos esses livros são meus, todos esses livros são meus”. Você acha que sou maluco? Nada mais longe disso: você realmente pode pegar qualquer livro e ler, a biblioteca é pública, é de todos, o que quer dizer, a efeitos práticos, que todos esses livros são meus e de todo mundo.

1.1. Muito importante: não diga que todos os livros são seus em voz alta, ninguém quer acabar no hospital psiquiátrico (onde, aliás, entre outros muitos inconvenientes, não há boas bibliotecas).

2. Leve sempre mais de um livro para casa. Se a biblioteca permite levar três livros, leve três. Se cinco, cinco. Siga a seguinte regra: levar um livro que você quer muito ler, mas muito, muito mesmo (e que, de fato, você vai ler); leve outro(s) livro(s) que você acha que gostaria de ler (aqueles livros que alguém recomendou ou que receberam boas críticas); e leve sempre, no mínimo, um livro de um grandíssimo escritor, de um clássico universal ou de um autor de culto. Assim, você conseguirá reproduzir em casa o mesmo clima criado pelo Consumo Compulsivo de Livros sem consumir: você vai ler o livro que queria muito ler, você vai dar uma olhadinha no(s) livro(s) que você achava que ia gostar de ler (e provavelmente vai ler um deles, mas só provavelmente), e (importantíssimo) você vai sentir a culpa de não ler esse Proust ou Sófocles que estará atormentando você desde algum canto da casa.

3. Quando o demônio do Consumo atacar: PEGUE OS LIVROS E VOLTE PARA A BIBLIOTECA CORRENDO. E não esqueça, assim que estiver entre as prateleiras, repita mentalmente: “todos esses livros são meus, todos esses livros são meus”.

4. Faça alguma coisinha nos livros que você lê, sem estragar o livro, por favor. Sublinhe uma frase com lápis, dobre o canto de uma folha, “esqueça” um recibo ou um bilhete entre as páginas.

5. Se você se encontrar na biblioteca com algum amigo ou conhecido por casualidade, atue como se fosse o anfitrião, mostre o espaço, faça sugestões de leitura, dê dicas. Tenha cuidado de não utilizar a primeira pessoa nas explicações (ver ponto 1.1).

6. Passe intencionalmente pela prateleira da biblioteca onde fica algum dos livros que você leu. Faça de conta que foi uma casualidade, leia as lombadas dos livros vizinhos e quando chegar ao livro lido, sinta esse arrepio de felicidade: “esse eu já li”.

7. Se você está passando por uma crise de abstinência de consumo, pegue o livro lido (ver ponto 6) e dê uma folheada: o que você tiver feito nesse livro (ver ponto 4) incrementará a sensação de que esse livro, e todos os livros da biblioteca, é seu.

8. Aproveite para socializar. Se você descobrir uma pessoa com os dedos na lombada de um Gombrowicz, de um Sérgio Sant’Anna ou de um César Aira, o que você está esperando para puxar conversa!? Não é todo dia que você encontra um desconhecido interessante passeando entre as prateleiras da sua casa.

9. Como resultado de tudo o que foi exposto anteriormente, vire um UCB, um Usuário Compulsivo da Biblioteca.

Imagino que alguns leitores desta coluna estarão pensando: claro, você disse isso porque você está morando em Barcelona, onde as bibliotecas públicas são ótimas, e na América Latina não é bem assim etc. Mas isso é uma meia-verdade: eu, pelo menos, antes de estar viciado em CCL, usei muito as bibliotecas públicas do México e também a bibliotequinha de Sousas, em Campinas, onde meus filhos tinham carteirinha e a gente ia ler.

É verdade que as bibliotecas públicas do México e do Brasil poderiam ser bem melhores, mas o jeito mais eficaz de ajudar nessa melhora é justamente esse: utilizá-las. E se não tem uma boa biblioteca perto de casa ou do trabalho, não é hora de começar a se organizar para pedir uma à prefeitura da cidade?

Já dizia minha avó, que estava além das ideologias, mas era muito sábia: a felicidade é pública, a tristeza é privada."