domingo, 25 de junho de 2017

Devemos nos esforçar para ser como a lua


"Devemos nos esforçar para ser como a lua. 
Um ancião em Kabati sempre repetia essa frase para as pessoas que passavam
por sua casa para buscar água, caçar ou colher seiva nas palmeiras, e também
aos que caminhavam de volta a suas fazendas. Eu me lembro de ter perguntado
a minha avó o que o ancião queria dizer com aquilo.

Ela explicou que o ditado servia para lembrar as pessoas de se comportarem
sempre da melhor maneira possível e serem boas umas com as outras.
Ela disse que as pessoas reclamam quando o sol as castiga demais
e está intoleravelmente quente, e também quando chove demais ou está frio.

Mas ela falou, ninguém se queixa quando a lua brilha. Todos ficam felizes
e apreciam a lua, cada um a seu modo. 
As crianças brilham com suas sombras sob a luz da lua,
as pessoas se juntam para contar histórias e dançar noite adentro. 
Muitas coisas boas acontecem quando a lua brilha. 

Essas são algumas das razões pelas quais devemos desejar ser como a lua".

Do livro Muito Longe de casa - Memórias de um Menino-Soldado
de Ishmael Beah





domingo, 18 de junho de 2017

Você é



"Você é os brinquedos que brincou, as gírias que usava, você é os nervos à flor da pele no vestibular, os segredos que guardou, você é sua praia preferida, Garopaba, Maresias, Ipanema, você é o renascido depois do acidente que escapou, aquele amor atordoado que viveu, a conversa séria que teve um dia com seu pai, você é o que você lembra. 

Você é a saudade que sente da sua mãe, o sonho desfeito quase no altar, a infância que você recorda, a dor de não ter dado certo, de não ter falado na hora, você é aquilo que foi amputado no passado, a emoção de um trecho de livro, a cena de rua que lhe arrancou lágrimas, você é o que você chora. 

Você é o abraço inesperado, a força dada para o amigo que precisa, você é o pêlo do braço que eriça, a sensibilidade que grita, o carinho que permuta, você é as palavras ditas para ajudar, os gritos destrancados da garganta, os pedaços que junta, você é o orgasmo, a gargalhada, o beijo, você é o que você desnuda. 

Você é a raiva de não ter alcançado, a impotência de não conseguir mudar, você é o desprezo pelo o que os outros mentem, o desapontamento com o governo, o ódio que tudo isso dá, você é aquele que rema, que cansado não desiste, você é a indignação com o lixo jogado do carro, a ardência da revolta, você é o que você queima. 

Você é aquilo que reinvidica, o que consegue gerar através da sua verdade e da sua luta, você é os direitos que tem, os deveres que se obriga, você é a estrada por onde corre atrás, serpenteia, atalha, busca, você é o que você pleiteia. 

Você não é só o que come e o que veste. Você é o que você requer, recruta, rabisca, traga, goza e lê. Você é o que ninguém vê.

Martha Medeiros