terça-feira, 17 de setembro de 2013

Vida parte 2

 
 
"Uma menina me perguntou certa vez: a vida da gente melhora da metade para o final?
Ela deveria ter uns 14 anos, jovem demais para dividir a existência em
duas partes e colocar suas esperanças na segunda. Já eu havia recém feito 40: estava me
despedindo do ensaio geral e estreando a parte 2 ainda sem saber o que estava por vir.
Logo, o que responder?
 
Admiti que considerava encantadora a primeira parte: a virgindade existencial,
os primeiros amores, a juventude do corpo, os sonhos projetados
para frente, a morte a distância teoricamente segura. Não tinha como afirmar se a
segunda parte possuiria munição suficiente para superar tanta vitalidade e expectativa,
mas, dali onde eu me encontrava, seguia confiante, o futuro não me assustava.
Apesar de ter vivido muito bem meus primeiros 40, secretamente desejava que a resposta ao
questionamento dela fosse um categórico sim.
 
Hoje aquela menina deve estar por volta dos 24 e ainda não tem sua resposta, mas garanto
que anda tão ocupada que isso deixou de importar. Eu, no entanto, avancei um
pouquinho na parte 2, porém continuo sem um parecer. Tenho apenas uma intuição.
Menina que não sei o nome: decretar o que é melhor, se a primeira ou a segunda metade da vida,
é uma preocupação inútil, não perca tempo com isso.
A única coisa que você deve ter em mente é o seguinte: o que fizer na primeira metade
terá consequências na segunda, para o bem ou para o mal.
 
Se você for muito seletiva e insegura acabará transferindo para mais tarde projetos que
já poderiam ter sido experimentados. Procure viver as delicias de cada idade, arrisque-se.
Se não conseguir ok, então morra de amor, vá morar sozinha em Londres, entre para uma seita,
monte uma banda, tudo isso aos 60, aos 70, e danem-se as convenções.
A maturidade traz ganhos reais. A ansiedade diminui, a teatralidade também. Já não vemos sentido
em agradar a todos, a opinião alheia deixa de nos influenciar.
Essa liberdade de ser quem realmente somos me parece o benefício maior - os jovens
não percebem, mas sua liberdade é muito restrita. São pressionados a fazer escolhas tidas
como definitivas (casamento, filhos, profissão) e as dúvidas se amontoam.
 
A sociedade exige eficiência na condução do script. Depois dos 40, a boa noticia:
que sociedade, que nada. Não é ela que banca suas ideias, não é ela que enxuga suas lágrimas,
não é ela que conhece suas carências. Você passa, finalmente, a ser dona do seu desejo.
Não é pouca coisa. A segunda metade trará vista cansada, um joelho menos confiável,
um rosto não tão viçoso, umas manias bobas, mas o fato de já não haver tempo
a desperdiçar nos torna mais focados e até menos aventureiros - pensar demais deixa de ser producente. Perder a ilusão da eternidade traz, sim, conquistas instantâneas, mas,
para isso, é preciso ter cabeça boa, conhecimento e uma forte base moral e ética.
E isso você adquire na primeira metade da vida - ou padecerá na última"..
 
Martha Medeiros
 
 
 
 
 
 
 
 
 

6 comentários:

  1. Belíssimo texto, como sempre o são os da Martha! beijos,tudo de bom,chica

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  2. Bom dia Fernanda!
    Lendo o texto e me vendo na idade de 40, não sei se fico feliz ou triste, hehehe!
    Quero viver mais e tomar as decisões certas!
    Beijos
    CamomilaRosa

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  3. Matéria linda. Eu mesma não saberia a resposta, mas aqui acho que ficou bem explicado. Nos meus 45, creio que deixei muuuitas oportunidades passarem em branco na primeira etapa da vida. Mãe castradora, pai ausente, nenhum irmão, casamento precoce, maternidade aos 20 anos. Hoje a turma está mais focada em "ficar", porque compromisso gera responsabilidades que não fazem parte do pacote. Me arrependo sim de tudo o que não fiz por causa dos outros e hoje, sem expectativas, vivo uma vida pálida, sem cor, sem motivação, porque todas elas ficaram para trás, muito longe do meu alcance agora. É só viver um dia atrás do outro, tentando vender pra mim mesma uma ideia de que tudo está bem e ficará ainda melhor. Quem acha que a vida começa depois dos 40 deveria prestar mais atenção no hoje que prenuncia o amanhã. Não tem tanto encanto assim! Bjo querida! Vy

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  4. Nossa Fe, amei esse texto da Martha, muita sabedoria com poesia...
    Eu já estou na segunda metade, acho que estou muito melhor que a primeira por dentro, mas gostaria de ter o corpinho de antes...
    Bjs querida

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  5. Fer:
    Eu desconhecia esse texto da Martha, mas considero o melhor.
    Creio que cada fase tem seus encantos e também suas dificuldades.
    O negócio é ter sabedoria pra desfrutar cada fase com muita alegria.
    Bjs.:
    Sil

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  6. Lindo este texto da Martha Medeiros, na verdade mais um...amo o que ela escreve...concordo com a Cristiane, me acho melhor agora, mas aquelas rugas...rsrsrsrsrs.....bom demais tudo isso! beijos no teu coração e até mais!

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Namastê!